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16 de Abril de 2024

Prescrição virtual em Processo Administrativo

há 14 anos

Desembargador baiano em decisão vanguardista, reconhece prescrição virtual em sede de Processo Administrativo. Veja o acórdão.

Diário n. 300 de 17 de Agosto de 2010

CADERNO 1 - ADMINISTRATIVO > TRIBUNAL PLENO

Processo Disciplinar nº 0002910-39.2010.805.0000-0

Embargante: Juiz de Direito

Embargado: Tribunal de Justiça do Estado da Bahia

Advogado: Dr. João Daniel Jacobina

DECISÃO

Em Sessão do Tribunal Pleno realizada no dia 17.03.10 foi instaurado Processo Administrativo Disciplinar contra o magistrado Embargante porque teria o mesmo violado dispositivos da Lei nº 4.898 de 09.12.65 (abuso de autoridade) e também o art. 35, I, da LOMAN (dever de imparcialidade).

Determinada a sua citação para que procedesse na forma do art. 391, caput, do RITJBA (apresentação de defesa prévia), opôs o seu eminente defensor – Profº. Dr. João Daniel Jacobina – os Embargos Declaratórios de fl.20/24 objetivando ver reconhecida a extinção da punição que poderia vir a ser aplicada ao Juiz processado, porque teria se verificada a prescrição virtual, antecipada, projetada ou em perspectiva, embora assim não a denominasse.

Mas essa circunstância fica por demais evidenciada quando o renomado advogado assinala que “a prescrição somente não teria se operado se fosse aplicável à hipótese a pena de disponibilidade ou aposentadoria compulsória”. E conclui o douto advogado: “é evidente, ante a ausência de maiores gravidades, que em caso de condenação nunca poderá ser aplicada uma pena que não seja a de advertência, censura ou mesmo remoção compulsória”.

O Estado Brasileiro era tido como o único do mundo que adotava a denominada prescrição retroativa, prevista no art. 110, § 2º do Código Penal. E a prescrição virtual, o que denominação outra se queira impingir, não seria outra senão uma prescrição retroativa antecipada, vez que se tomaria por base uma pena hipoteticamente aplicada. Ganhava corpo no sistema penal brasileiro – já que não prevista em lei – a prescrição antecipada, que se traduzia no reconhecimento da prescrição retroativa, seja antes do recebimento da denúncia ou da queixa, ou mesmo durante o curso do processo, quando se verificasse, ainda que hipoteticamente, que a futura pena condenatória a ser aplicada pelo juiz restaria prescrita.

É cediço que o interesse de agir se inscreve como uma das condições genéricas para o exercício da ação penal, o qual serve de amparo e de fundamentação ao reconhecimento e aplicação do que se convencionou chamar de prescrição retroativa antecipada.

Se o processo, em determinado momento, não se mostra mais apto a realizar o escopo da persecução penal, ou relevar-se útil, como afirmava Fernando Capez, esmaece-se o interesse de agir, porque inútil, a partir daí, a atividade jurisdicional.

Pertinente, assim, o escólio do Professor Liebman, citado por Giorgio Del Vecchio, em sua obra Prescrição punitiva pela pena em perspectiva: “interesse processual, ou interesse de agir existe quando há para o autor, utilidade e necessidade de conseguir o recebimento do seu pedido, para obter, por este meio, a satisfação do interesse (material) que fica insatisfeito pela atitude de outra pessoa”.

No mesmo sentido, era o pensamento da jurista mineira Maria Isabella Rodrigues Gonçalves, como pode ser constatado pelo brilhante trabalho sobre o tema publicado na edição de nº 119 do conceituado Instituto Brasileiro de Ciências Criminais:

´´Ora, se a ação penal para existir precisa preencher o requisito do interesse de agir, desencadeando assim uma sanção ao autor do fato delituoso, caso esse fim não possa ser mais materialmente alcançado porque, ao sentenciar e aplicar concretamente a pena, o direito de punir já pulverizou-se no tempo, qual seria a finalidade de se instaurar ou até mesmo dar prosseguimento a um processo natimorto?”

Dessume-se daí que o interesse de agir deita raízes na utilidade do provimento jurisdicional. É porque, como bem lembrava o eminente Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Sylvio Baptista Neto, “o processo, como instrumento, não tem razão de ser, quando o único resultado previsível levará, inevitavelmente, ao reconhecimento da ausência de pretensão punitiva. O interesse de agir exige da ação penal um resultado útil. Se não houver aplicação possível de sanção, inexistirá justa causa para a ação penal. Assim, só uma concepção teratológica do processo, concebido como autônomo, auto-suficiente e substancial, pode sustentar a indispensabilidade da ação penal, mesmo sabendo-se que levará ao nada jurídico, ao zero social. E as custas de desperdício de tempo e recursos materiais do Estado. Desta forma, demonstrado que a pena projetada, na hipótese de uma condenação, estará prescrita, deve-se declarar a prescrição, pois a submissão do acusado ao processo decorre do interesse estatal em proteger o inocente e não intimidá-lo, numa forma de adiantamento de pena” (Recurso 70003477395).

E os Tribunais brasileiros proclamavam:

De nenhum efeito a persecução penal com dispêndio de tempo e desgaste do prestígio da Justiça Pública, se, considerando-se a pena em perspectiva, diante das circunstâncias do caso concreto, se antevê o reconhecimento da prescrição retroativa na eventualidade de futura condenação. Falta, na hipótese, o interesse teleológico de agir, a justificar a concessão ex officio de habeas corpus para trancar a ação penal. (TACRIM-SP-HC-Rel. Sérgio Carvalhosa - RT 669/315).

TJRS - Prescrição antecipada. Possibilidade. O processo, como instrumento, não tem razão de ser, quando o único resultado previsível levará, inevitavelmente, ao reconhecimento da ausência da pretensão punitiva. O interesse de agir exige da ação penal um resultado útil. Se não houver aplicação possível de sanção, inexistirá justa causa para a ação penal. Assim, só uma concepção teratológica do processo concebido como autônomo, auto-suficiente e substancial pode sustentar a indispensabilidade da ação penal, mesmo sabendo que levará ao nada jurídico, ao zero social. E as custas de desperdício de tempo e recursos materiais do Estado. Desta forma, demonstrando que a pena projetada, na hipótese de uma condenação, estaria prescrita, deve-se declarar a prescrição, pois a submissão do acusado ao processo decorre do interesse estatal de proteger o inocente e não intimida-lo, numa forma de adiantamento de pena. Recurso improvido” (RSE 70005159371, 6ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. Des. Sylvio Baptista, j. 28.11.2.002).

TJRS - RECURSO ESTRITO. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. ‘Se o processo não for útil ao Estado, sua existência é jurídica e socialmente inútil’. O interesse de agir é categoria básica para a noção de justa causa no processo penal, e exige da ação penal um resultado útil, sem aplicação possível de sanção. Inexiste justa causa para a ação penal. Recurso prejudicado (RSE 70003944857, 8ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. Des. Tupinambá de Azevedo, j. em 22.05.2002)”.

Mas no dia 02.05.10 o STJ fez editar a súmula nº 438, com o seguinte enunciado: "É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.

Posteriormente, mais precisamente em 06.05.10, ingressou no sistema jurídico brasileiro a Lei nº 12.234/10 revogando o § 2º do art. 110 do Código Penal, que preceituava: “a prescrição, de que o trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa”. E o parágrafo anterior (§ 1º do art. 110 do CP) estabelecia, já que alterado pela retrocitada Lei 12/234/10 :”que a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido o seu recurso, regula-se pela pena aplicada”.

O Professor Flávio da Silva Andrade, em artigo publicado no “saiteJus Navegandi, trouxe as lições a seguir transcritas: “Editada a Lei nº 12.234, de 06/05/2010, revogando o § 2º do art. 110 do Código Penal, pondo fim à possibilidade de se reconhecer a chamada prescrição retroativa, conforme lição de Damásio Evangelista de Jesus, sabe-se que tal norma penal é de direito material e só se aplica a fatos ocorridos após o início de sua vigência (art. , XL, da CF/88). Noutras palavras, ainda é possível o arquivamento de inquéritos policiais e mesmo de ações penais com base na prescrição retroativa.O instituto da prescrição retroativa antecipada ou pela pena in perspectiva não tinha amparo legal; era uma criação doutrinária e jurisprudencial, muito aplicada na primeira instância do Poder Judiciário brasileiro. Na segunda instância, por muito tempo se rechaçou a ideia do reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, mas nos últimos anos várias Cortes Estaduais e Federais passaram a admitir a aplicação de tal instituto justamente porque seria inócuo prosseguir com um inquérito policial ou uma ação penal se depois houvesse de se reconhecer a extinção da punibilidade por força da prescrição retroativa (art. 110, § 2º, do CP).Não era razoável (e ainda não o é para fatos ocorridos antes de 06/05/2010) o acionamento da máquina judiciária para um esforço persecutório que, desde logo, sabe-se restará inútil. Era preciso evitar o desperdício de atividade. Não tinha sentido o dispêndio de tempo e energias, se, diante das circunstâncias do caso concreto, considerando-se a pena em perspectiva ou hipotética, enxergava-se o reconhecimento da prescrição retroativa na eventualidade de futura condenação. O reconhecimento antecipado da prescrição evitava um processo inútil, que não levaria a nada, prestigiando o princípio constitucional da eficiência (art. 37, caput, CF/88).Quando não se aplica a tese da prescrição retroativa antecipada nos casos em que ainda é cabível - ocorridos antes de 06/05/2010- movimenta-se desnecessariamente a máquina judiciária e o magistrado, após regular instrução do feito, deve prolatar uma sentença. Se for condenatória, deve depois proferir novo decisum para reconhecer a prescrição retroativa. Na verdade, esse procedimento representa dispêndio de tempo e o emprego inócuo de recursos públicos para impulsionar um feito criminal em relação ao qual não há o menor interesse de agir, na medida em que eventual condenação será inútil.A súmula nº 438 do STJ não impede que se continue a aplicar o instituto da prescrição retroativa antecipada para os fatos acontecidos antes da entrada em vigor da Lei nº 12.234/2010. Note-se que o enunciado veda a decretação da extinção da punibilidade do agente com fundamento na prescrição pela pena hipotética. Realmente, não é possível declarar a extinção da punibilidade do acusado com base nesse fundamento, pois não existe suporte legal para tanto nos artigos 109 e 110 do Código Penal Brasileiro. O que se tem feito (e deverá continuar na hipótese antes referida) é o arquivamento de inquéritos policiais e a rejeição de denúncias (e até extinção de ações penais) por falta de interesse de agir, quando se constatar, com tranquilidade, a chamada prescrição virtual ou pela pena em perspectiva. O entendimento jurisprudencial do STJ, consolidado na súmula antes mencionada, não obsta que o Ministério Público e o Juízo avaliem o preenchimento das condições da ação penal, dentre elas o interesse de agir (art. 43, III, do CPP). Sobre o tema, ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE FERNANDES e ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO ensinam:"No processo penal, o interesse-necessidade é implícito em toda a acusação, uma vez que a aplicação da pena não pode fazer-se senão através do processo. Já o interesse-adequação se coloca na ação penal condenatória, em que o pedido deve necessariamente ser a aplicação da sanção penal, sob pena de caracterizar-se a ausência da condição. Pode-se também falar no interesse-utilidade, compreendendo a ideia de que o provimento pedido deve ser eficaz: de modo que faltará interesse de agir quando se verifique que o provimento condenatório não poderá ser aplicado (como, por exemplo, no caso de a denúncia ou queixa ser oferecida na iminência de consumar-se a prescrição da pretensão punitiva. Sem aguardar-se a consumação desta, já se constata a falta de interesse de agir)."A nova súmula do STJ não obstaculiza, em relação a fatos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei nº 12.234, de 06/05/2010, o arquivamento de inquéritos policiais e a rejeição de denúncias em razão do reconhecimento da prescrição retroativa antecipada, virtual ou pela pena in perspectiva. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça fez uma interpretação que despreza o fato de que a prescrição em comento é consequência natural da prescrição retroativa e que o âmago da controvérsia reside na falta de uma das condições da ação penal: o interesse processual. O Tribunal da Cidadania orientou-se apenas pelas regras de direito penal acerca da prescrição, olvidando-se que a matéria envolve aspectos de Direito Processual Penal e até de Direito Administrativo.Enfim, a prescrição retroativa antecipada, virtual ou pela pena in perspectiva deve continuar sendo invocada para se arquivar, por falta de interesse de agir, aqueles casos (acontecidos antes de 06/05/2010) em que o avanço da persecução penal redundará em nada por conta do futuro e inevitável reconhecimento da prescrição. Como disse o Desembargador Federal OLINDO MENEZES," se o Estado não exerceu o direito de punir em tempo socialmente eficaz e útil, não convém levar à frente ações penais fadadas de logo ao completo insucesso ". (TRF da 1ª Região. RCCR 2002.34.00.028667-3/DF. Voto-vista. Terceira Turma. Publicação: 14/01/2005. DJ: p.33).Portanto, nenhum óbice há em se proceder ao exame, de forma analógica à prática penal, agora em matéria administrativa - da postulação do Juiz e seu defensor, vez que os fatos que se lhe atribuem – ao juiz - teriam ocorrido no ano de 2006.A Lei nº 4.898/65 que define os delitos ou infrações penais relacionados à abuso de autoridade, prevê uma pena máxima seis (06) meses de detenção para o autor do fato. Já na esfera administrativa a pena máxima é excessivamente rigorosa – demissão a bem do serviço público.O art. 42 da LOMAN, aplicável aos magistrados, estabelece que são penas disciplinares: I - advertência;II - censura;III – remoção compulsória;IV - disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;V - aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;VI - demissão.

Como se sabe, a Lei Orgânica da Magistratura NacionalLOMAN - silencia sobre os prazos prescricionais para apuração de infrações disciplinares. Sabe-se também, que de forma subsidiária, aplica-se, na hipótese, o Regime Jurídico dos Servidores Publicos Civis da União - Lei n.º 8.112/90.Todavia, a Lei Orgânica do Poder Judiciário deste Estado da Bahia, disciplina a matéria, e estabelece em seu art. 198,caput, que a prescrição verifica-se: I – em um (01) ano quando a falta funcional sujeitar-se a pena de advertência e censura;II - em dois (02) anos quando sujeitas à remoção compulsória;III- em cinco (05) anos as sujeitas à disponibilidade e à aposentadoria compulsória.

Imputou-se ao magistrado processado duas (02) infrações: 1- Teria ele decretado, de forma abusiva, a Prisão Preventiva do então Prefeito do município onde o magistrado era Juiz de Direito, e um Secretário Municipal, sob o alegação de prática de crime de desobediência(teria aí agido com abuso de autoridade). 2 – O fizera quando já existia contra si exceção de suspeição em curso(teria arranhado o art. 35,I, da LOMAN porque não teria agido com imparcialidade).As infrações que se lhe atribuem ensejariam, uma das penas previstas nos dois primeiros incisos – advertência, censura ou remoção compulsória - vez que não seria razoável nem proporcional, que se porventura condenado, fosse o magistrado acusado aposentado compulsoriamente, ou posto em disponibilidade, com vencimentos proporcionais. A Representação que originou este Processo é datada de 24.08.2006. E protocolada na Corregedoria em 25.08.06. A Portaria CGJ-56/2008-GSEC que instaurou a SINDICÂNCIA, foi publicada no DPJ do dia 22.01.08, p.10/cad.1 (fl.438).O Acórdão que estabeleceu os limites da acusação é datado de 17.03.10, mesma data da Sessão Administrativa que o estabeleceu.Entre esses dois marcos interruptivos da prescrição – 22.01.08 (instauração da Sindicância) e 17.03.10 (instauração do PAD) – se passaram mais de dois (02) anos.

Considera-se a PORTARIA supracitada como causa interruptiva da marcha prescricional, na exata compreensão do parágrafo único do art. 199 da vigente Lei Orgânica baiana, que dispõe: “a abertura de sindicância e a instauração do processo disciplinar interrompem a prescrição até a decisão final”. Logo, a pena mais grave que poderia ser aplicada ao magistrado, na hipótese de condenação, observando-se princípios de razoabilidade e proporcionalidade, seria a de REMOÇAO COMPULSÓRIA, mas atingida, neste momento, pela prescrição.

No que tange à esfera criminal, também prescrita está a pena de seis (06) meses de detenção – e aí em abstrato, e não tomando-se por base pena hipotética – vez que há de se aplicar, porque mais benéfico, o revogado inciso VI do art. 109 do CP, que vigia à época do fato, e que estabelecia que a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença, verificava-se em dois (2) anos, se o máximo da pena fosse inferior a um (01) ano, e não o vigente, atualmente, introduzido pela Lei nº 12. 234 de 06.05.10, cujo prazo máximo é de três (03) anos. E a Lei de Organização baiana criou uma situação interessante no parágrafo único do art. 198 ao estabelecer que: “Se a falta apurada constituir crime, o prazo de prescrição será o fixado na Lei Penal”. O abuso de autoridade é tipificado, em legislação esparsa, como uma ação delituosa. Não haveria, portanto, necessidade de se aplicar o já agora inexistente instituto da prescrição retroativa, em relação a esse fato. A prescrição já teria ocorrido em abstrato, independentemente de se mensurar, antecipadamente, a punição disciplinar.Remanesceria, assim, apenas, a outra acusação – ausência de imparcialidade – mas já atingida, como acima demonstrado, pela prescrição retroativa antecipada.Portanto, se observado o parágrafo único do art. 198 da LOJ, a pena prevista para a infração administrativa relacionada ao abuso de autoridade, estaria prescrita, e ferida de morte pelo polêmico instituto da prescrição, que como adverte Damásio E. de Jesus, “o Código Penal define e disciplina o crime de homicídio em um só artigo (121), trata da prescrição em dez (arts. 109 a 118). E é o próprio Damásio que confessa: “Fui assistente de Direito Penal de José Frederico Marques em faculdade do interior de São Paulo. Quando ele deixou de lecionar e me indicou para seu substituto, deu-me um conselho: na Parte Geral, tome cuidado com o tema da prescrição, pois, sendo matéria extensa e complexa... Assunto importante para juízes, promotores de justiça, advogados, réus e vítimas, a prescrição penal integra a segurança jurídica, uma vez que, tendo efeito de extinguir a pretensão punitiva e executória do Estado, uma interpretação errônea de seus preceitos pode livrar culpados das malhas da lei ou conduzir a elas réus que deveriam ser liberados da persecução criminal.” (Jornal Carta Forense - edição de 05.7.2010).

Seguramente, não há porque incursionar um Processo que não alcançaria, jamais, a sua finalidade vez que o mesmo, como acima demonstrado, “não tem razão de ser, quando o único resultado previsível levará, inevitavelmente, ao reconhecimento da ausência da pretensão punitiva. O interesse de agir exige da ação um resultado útil. Se não houver aplicação possível de sanção, inexistirá justa causa. Assim, só uma concepção teratológica do processo concebido como autônomo, auto-suficiente e substancial pode sustentar a indispensabilidade da ação, mesmo sabendo que levará ao nada jurídico, ao zero social. E as custas de desperdício de tempo e recursos materiais do Estado. Desta forma, demonstrando que a pena projetada, na hipótese de uma condenação, estaria prescrita, deve-se declarar a prescrição”.

Vale também ressaltar que há divergência sobre se a prescrição retroativa foi realmente abolida, ou não, em razão da atual redação do § 1º do art. 110 do CP. O Profº. Damásio de Jesus esclarece que há duas correntes sobre essa particularidade. Diz ele: “1ª. corrente - A alteração verificada nos §§ 1º e do art. 110 do CP, atingindo uma das fases temporais da chamada prescrição retroativa, proibiu seu reconhecimento no período anterior ao recebimento da denúncia ou queixa, mas não entre esse e a sentença ou acórdão condenatórios recorríveis. Assim, em parte, ainda subsiste a prescrição retroativa.De acordo com essa posição, a prescrição, no sistema anterior à lei nova, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, regulava-se, em regra, pela pena máxima cominada (pena abstrata), salvo nas situações entre as quais se encontrava a prescrição retroativa, quando se apresentava como base de cálculo a sanção imposta (pena concreta), sem restrições temporais. Dessa forma, podia ser reconhecida entre o fato e o recebimento da denúncia ou queixa e também entre esta data e a publicação da sentença ou acórdão condenatório recorríveis. A retroatividade não tinha restrição legal. Com a mudança legal, isso agora é vedado no período entre o fato e o recebimento da inicial acusatória (art. 110, § 1º, parte final, com redação da lei nova). Significa entender, portanto, que do início da fluência do primeiro prazo, que ocorre a partir da data do fato criminoso, até a primeira causa interruptiva, qual seja, o recebimento da denúncia ou queixa, somente poderá haver a prescrição pela pena máxima (a genuína prescrição da pretensão punitiva; art. 109). A prescrição retroativa, prossegue essa primeira interpretação, não mais será reconhecida, como acontecia antes da nova regra, entre o fato e a denúncia ou q ueixa, somente tendo efeito entre a data da recepção da inicial acusatória e a publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis (ou da pronúncia, nos processos do Tribunal do Júri).Interpretada dessa forma a alteração legal, a mudança configura novatio legis in pejus. Como se sabe, as normas disciplinadoras do direito de punir do Estado, ampliando-o ou o restringindo, são de natureza penal, submetendo-se ao comando do art. , XL, da Carta Magna, confirmado no art. do CP. Como a redução dos períodos prescricionais tem natureza gravosa, a inovação exclusivamente se aplica a fatos ocorridos a partir da entrada em vigor da Lei n. 12.234, ou seja, do dia 06 de maio de 2010 em diante. Assim, ainda de acordo com essa primeira posição, passaram a existir dois regimes de prescrição retroativa: 1º - incidente sobre infrações penais ocorridas até 05 de maio de 2010, a prescrição retroativa segue os moldes anteriores, vale dizer, poderá ser reconhecida, extinguindo a pretensão punitiva, considerada a pena concreta, em todos os períodos, inclusive o anterior ao recebimento da denú ncia ou da queixa. 2º - em relação aos ilícitos penais cometidos a partir de 06 de maio de 2010, observar-se-á nova regra proibitiva: a prescrição retroativa somente poderá ocorr er entre a data do recebimento da denúncia ou queixa e a da publicação da sentença ou acórdãos condenatórios recorríveis (ou da pronúncia, nas ações penais do Júri). Efeito desse entendimento é a proibição da prescrição virtual, também chamada"em perspectivaeantecipada", que tinha por fonte a forma retroativa e já tinha sido proibida pela Súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça.2ª. corrente - a Lei n. 12.234/2010 extinguiu a prescrição retroativa: Nos termos dessa segunda orientação, a lei nova não reduziu somente os períodos prescricionais retroativos por via da proibição da consideração do prazo entre o fato e o recebimento da denúncia ou queixa. Ela extinguiu a própria prescrição retroativa.Não resta dúvida de que foi esta a vontade do legislador, como se vê nos trabalhos que nos levaram à lei nova. E teve e tem o reforço do Conselho Nacional de Justiça, propenso no sentido de uma Justiça mais rápida, sem esquecer princípios constitucionais de segurança jurídica: Justiça rápida não precisa de prescrição retroativa, dada a sua finalidade de punir o Estado de Justiça lenta .É correto dizer que a vontade da lei prevalece sobre a vontade do legislador e do Estado. Apreciando o novo texto, entretanto, verifica-se que foi também vontade da lei expulsar a prescrição retroativa da nossa legislação, uma vez que o art. da Lei n. 12.234/2010 determina:"Esta lei altera os arts.., para excluir a prescrição retroativa."(itálico nosso).E foi tão clara essa manifestação que, sem que houvesse necessidade, a lei nova dispôs sobre a revogação da fonte da prescrição retroativa em dois dispositivos: arts. 1o e 4o :Sabido que a prescrição retroativa nasceu da redação do antigo § 2º do art. 110, revogado duas vezes. Antes da lei nova da qual estamos tratando, o art. 110 dispunha:"§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada."Tínhamos, nessa disposição, a chamada prescrição superveniente. Ocorre que o parágrafo subseqüente (§ 2º) mencionava que, no caso do § 1º, a prescrição podia" ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa ". Era a fonte legal da prescrição retroativa.A retroativa, para essa orientação, não sobreviveu. Mostra-se estranho que a lei nova permitisse a prescrição retroativa num período e a proibisse em outro, exatamente entre o recebimento da denúncia ou queixa e a sentença, fase na qual maior número de recursos pode protelar a sentença condenatória. Onde, no vigente § 1º do art. 110, está escrito que a pena concreta, na ausência de recurso da acusação ou improvido seu apelo, possui consideração retroativa? Se adotada a segunda tese, a lei nova é mais gravosa do que a anterior, não tendo efeito retroativo”(artigo publicado no Jornal Carta Forense, de 05.7.2010, sob o títuloA prescrição retroativa foi extinta?”).Por tais razões, é irremediavelmente necessário o exame do mérito da postulação do Juiz acusado. E o Relator tem competência para fazê-lo, monocraticamente, conforme já decidiu o plenário do Supremo Tribunal Federal: “INQUÉRITO. QUESTÃO DE ORDEM. PENAL. CRIME DE AMEAÇA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. COMPETÊNCIA DO RELATOR. DENÚNCIA.A Questão é: o Relator pode rejeitar a denúncia se já estiver extinta a punibilidade pela prescrição ou outra causa em decisão monocrática? A competência para receber ou rejeitar a denúncia é do Plenário (RISTF, art. 232 e L. 8.038/90, art. ). Por outro lado, o Relator tem competência para decretar a extinção da punibilidade, nas hipóteses previstas em lei (L. 8.038/90, art. , II). É possível ao Relator rejeitar a denúncia em decisão monocrática, quando for manifesta a causa extintiva da punibilidade. Questão de Ordem que se resolve com a decretação da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva (Inquérito 1.680-2 – Acre – Relator Min. NELSON JOBIN – DJ 28.03.2003 – Ementário nº 2104-1- Tribunal Pleno).

Diante das razões que ora exponho, acolho a postulação defensiva e julgo extinta a punibilidade do magistrado processado, ante a ocorrência da prescrição em abstrato em relação à suposta prática de abuso de autoridade; e a prescrição retroativa antecipada em relação à eventual violação do dever funcional de imparcialidade.

Publique-se para efeito de intimação do advogado do magistrado processado. E intime-se, pessoalmente, o Procurador Geral de Justiça do Estado da Bahia, ou o Procurador que o mesmo venha designar para tal finalidade. E também pessoalmente, mediante Carta de Ordem, o autor da Representação que resultou na instauração deste Procedimento.

Cumpra-se. Salvador, 16 de agosto de 2010.

Des. JOSÉ CICERO LANDIN NETO

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